Minha aula em Harvard sobre… fé.
O mundo precisa de gente com fé e que executa e se comporta de acordo com o tamanho de sua fé…
Esse ano, em Harvard, tivemos inquestionavelmente uma das melhores aulas de todos os 3 anos de OPM e, acredite ou não, a aula foi sobre... fé. Segundo o professor, uma das frases favoritas dos alunos do MBA aqui em Harvard é "hope is not a strategy", e a turma toda repete isso como um mantra, uma verdade absoluta. O mundo deveria se mover com decisões racionais, baseadas em dados, lógica, probabilidades e afins. No entanto, a aula inteira desconstrói completamente esse paradigma e nos ensina que a fé é fundamental, sendo também um dos principais pilares que move e melhora o mundo.
O case da aula é sobre a trajetória de John Crowley, ex-aluno de Harvard (MBA ’97). Em 1998, Crowley e sua esposa receberam uma notícia devastadora: dois de seus três filhos foram diagnosticados com a doença de Pompe. A condição é causada por uma deficiência enzimática genética que leva à rápida deterioração muscular e morte por insuficiência respiratória, geralmente antes dos cinco anos de idade.
Embora menos de mil crianças em todo o mundo sofram de qualquer forma da doença de Pompe, os dois filhos dos Crowley tinham a síndrome.
Para muitos pais, esse seria o fim de qualquer esperança, mas para John, foi o início de uma jornada extraordinária. Com o coração partido, mas a mente focada em encontrar uma solução, John Crowley decidiu que faria de tudo para salvar seus filhos. Durante a aula, o professor foi mostrando sua jornada e qual seria sua probabilidade de ser bem-sucedido em cada uma das etapas por qual percorreu. A coisa toda foi muito surreal.
Calculando o impossíve
Para começar, apenas cerca de 10% dos compostos identificados em pesquisas chegam a ser testados em humanos. A partir daí, as chances de sucesso continuam caindo em cada fase do desenvolvimento clínico. Quando se combinam todas essas probabilidades, a chance de um medicamento progredir da pesquisa laboratorial inicial até a aprovação final é inferior a 0,87%. Além dos desafios científicos, Crowley enfrentou também a necessidade de levantar capital para financiar sua pesquisa. No setor de biotecnologia, cerca de 30% das startups conseguem captar o financiamento necessário para financiar a pesquisa e transformá-la em medicamento.
Combinando as probabilidades de sucesso científico e financeiro, Crowley tinha 0,3% de chance de ser bem-sucedido. O feito foi tão extraordinário e improvável que sua história inspirou um livro e, mais tarde, um filme de Hollywood chamado Extraordinary Measures, estrelado por Harrison Ford.
O lado pragmático e cruel da racionalidade
Em um dos trechos do filme, ao questionar um dos pesquisadores sobre o que poderia fazer para encontrar a cura, John recebeu o seguinte conselho: "Nessa doença, a natureza prevalece, vá para casa e aproveite o pouco tempo que resta com seus filhos...".
Esse pesquisador deu um mal conselho? Se você fosse um profissional racionalmente consciente, conhecendo essa probabilidade ínfima de 0,3% de sucesso, recomendaria algo diferente a um pai completamente "leigo" e desesperado com dois filhos nessa situação? Observando todas as estatísticas e a realidade dura sobre a severidade da doença, muito provavelmente faria a mesma recomendação!
Nesse momento, o professor ainda complementou, rindo, que o mundo está cheio de gente inteligente e brilhante (com MBA em Harvard ©) para mostrar tudo o que pode dar errado e prever ou justificar o fracasso dessas coisas improváveis. Eles estão fazendo o que são muito bem pagos para fazer... ser racionais e pragmáticos.
Mas e quando sua única alternativa é não ser racional!? E quando “hope is the only strategy”? No caso de John, ele não era médico, nem cientista, e nem seu passado racional e calculista o impediram de mergulhar no universo da biotecnologia. Abandonando uma carreira de sucesso em consultoria empresarial, ele decidiu aprender sobre a doença, sobre as possibilidades de cura, fez pesquisa, achou o caminho e desenvolveu o medicamento para o tratamento da doença.
Onde entra a fé para combater o mundo racional em que vivemos?
Quantas vezes, no passado, você ou alguém próximo entrou na zona desconfortável do improvável? "Eu tenho fé que passarei no vestibular... Eu tenho fé que vou melhorar de vida... Eu tenho fé que serei aceito naquela vaga de emprego dos meus sonhos... Eu tenho fé que meu negócio ainda dará certo...".
A fé é o espaço que existe entre a situação presente e o desejo de algo melhor no futuro cuja probabilidade de se tornar realidade é baixa, improvável ou, em alguns casos, quase impossível. Pode existir em maior ou menor escala mas está lá: aspirar tentar ser aprovado em um vestibular super concorrido, aplicar para uma vaga sem ter todas as qualificações perfeitas, tirar uma ideia de negócio do papel ou numa situação extrema buscar a cura para a doença de um filho.
A fé é a sua intervenção no universo, a força criativa e intencional que te faz mudar a trajetória natural e mais provável das coisas. Dá até para sentir! É aquele frio na barriga quando você dá um passo que, se parasse para pensar nas dificuldades, talvez não desse. A fé te faz plantar sementes que, racionalmente, olhando para as baixas probabilidades de sucesso, você não plantaria.
É essa mesma fé que também te faz continuar regando essas sementes quando tudo ao seu redor parece indicar que a decisão mais adequada seria jogar a toalha e abandonar seus sonhos. Ela te oferece energia para continuar até que uma dessas sementes, como no milagre da vida, comece a germinar. E assim o mundo vai se tornando um lugar melhor por causa da fé desses homens e mulheres que não foram racionais:
Fazer um homem voar era impossível...
Fazer um homem ir para a lua era impossível...
Fazer foguete dar ré era impossível...
Achar a causa para a doença de Pompe era impossível...
Minhas lições aprendidas
Lembro que, ao compartilhar com mentores e investidores mais próximos sobre a ideia do Pipefy, via no semblante deles um certo grau de empatia e preocupação genuína: "Alessio, esse mercado é muito competitivo..."; "Fazer um negócio global de alta tecnologia do Brasil, de Curitiba?"; "Tem alguém já fazendo isso lá fora? Você tem experiência prévia desenvolvendo tecnologia nesse setor? Não? Hm...". Lembro de amigos e familiares que genuinamente queriam meu bem pisando em ovos ao dizer o que achavam da minha "brilhante" ideia. Sinceramente, eu mesmo, dez anos depois, se pudesse voltar do futuro para aconselhar o Alessio do passado, ficaria bem preocupado. Eu não tinha a mínima ideia e subestimei muito quão difícil e improvável seria o caminho que escolhi. Graças a Deus fui bem ignorante, ingênuo e cabeça dura hahaha.
Ao longo do tempo, fui aprendendo e me sentindo mais confortável em lidar com o improvável. Lembro-me de uma vez, enquanto me preparava para levantar capital para o Pipefy, em nossa rodada série C. O mercado estava dando sinais de que iria se deteriorar e ainda estávamos com metade do tamanho necessário para conseguir atrair investidores. Levaríamos de dois a quatro trimestres para estarmos prontos. Havíamos contratado um executivo de finanças e operações, extremamente experiente, com passagens pelo Google e por um dos nossos maiores concorrentes. Ele elaborou todo um projeto baseado em dados de centenas de outras startups similares à nossa e montou uma longa apresentação, demonstrando que ainda não estávamos prontos. Segundo ele, se conseguíssemos captar, seria entre USD 35M e 45M, provavelmente com um valuation entre 10x e 15x nossa receita recorrente.
Preocupado, compartilhei o estudo com um dos meus investidores mais experientes e perguntei o que deveria fazer. Ele foi direto e categórico: "Não leve esse cara para o fundraising com você! Ou você será uma profecia medíocre auto-realizável... Você só precisa de UM investidor que acredite na sua visão de futuro, esqueça todo o resto!". Resumindo a história toda, meses depois levantamos USD 75M em nossa série C, com um valuation de 44x nossa receita. Ele estava mais do que certo.
Hoje, um dos meus maiores prazeres é encontrar e trabalhar com pessoas que gostam de desafiar o improvável. São aqueles que se sentem à vontade na zona de desconforto, onde a maioria recuaria. Eu adoro estar cercado por gente que não só busca metas aparentemente impossíveis, mas também alcança resultados extraordinários em uma fração do tempo ou do custo que todos esperavam. Gente que prova que o impossível é apenas uma opinião.
Nada me dá mais satisfação do que ver underdogs — pessoas que vêm de um background familiar e econômico limitados, sem a experiência ou o currículo impecável — surpreenderem a todos. Eles superam expectativas e têm uma performance muito superior àqueles com mais experiência e educação formal. A capacidade de transformar o improvável em realidade é algo que me motiva profundamente, e é com esse tipo de gente que eu gosto de construir o futuro.
Tenha fé! O mundo precisa de gente com fé e que executa e se comporta de acordo com o tamanho de sua fé... Don't hope for a miracle, make one.